Veja o texto da prova na íntegra: UFPR
Nosso comportamento terrível no trânsito é resultado da nossa incapacidade de sermos uma sociedade igualitária; de instituirmos a igualdade como um guia para a nossa conduta. Nosso trânsito reproduz valores de uma sociedade que se quer republicana e moderna, mas ainda está atrelada a um passado aristocrático, no qual alguns podiam mais do que muitos, como ocorre até hoje. Em casa, nós somos ensinados que somos únicos, especiais. Aprendemos que nossas vontades sempre podem ser atendidas. É o espaço do acolhimento, do tudo é possível por meio da mamãe. Daí a pessoa chega na rua e não consegue entender aquele espaço onde todos são juridicamente iguais. Ir para a rua, no Brasil, ainda é um ato dramático, porque significa abandonar a teia de laços sociais onde todos se conhecem e ir para um espaço onde ninguém é de ninguém. E o trânsito é o lado mais negativo desse mundo da rua. É doentio, desumano e vergonhoso notar que 40 mil pessoas morrem por ano no trânsito de um país que se acredita cordial, hospitaleiro e carnavalesco. No Brasil, você se sente superior ao pedestre porque tem um carro. Ou superior a outro motorista porque tem um carro mais moderno ou mais caro. O motorista não consegue entender que ele não é diferente de outro motorista, do pedestre, do motorista de ônibus. Que ele não tem um salvo-conduto para transgredir as leis. No Brasil, obedecer à lei é uma babaquice, um sintoma de inferioridade. Quem obedece é subordinado porque a hierarquia que permeia nossas relações sociais jamais foi politizada. Isso é herança de uma sociedade aristocrática e patrimonialista, em que não houve investimento sério no transporte coletivo e onde ainda impera o “Você sabe com quem está falando?”
(LIMA, Paulo. “Como estou dirigindo?”, ISTOÉ ed. 2130.)
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